Sincronicidade e oportunidade – A. V. Boston

Sincronicidade e oportunidade – A. V. Boston

Com que frequência algo acontece que vai além da sua compreensão normal de coincidência ou de oportunidade? Você já experienciou acontecimentos que, embora reais e inquestionáveis, foram produzidos por circunstâncias que deixariam boquiabertos os melhores cientistas?

Durante sua pesquisa sobre o fenômeno do inconsciente coletivo, Carl Jung começou a observar coincidências que estavam unidas de maneira tão significativa que sua ocorrência parecia desafiar os cálculos de probabilidade. Ele usou o termo “sincronicidade” para definir ocorrências que iam, segundo sua opinião, muito além do acaso.

Os matemáticos podem aferrar-se ao acaso e à teoria das probabilidades, mas isso soa como um mantra desgastado dos anos sessenta em face do que parece ser uma maré crescente de atividade sincrônica. Ou talvez a onda tenha sempre estado aí, mas somente agora as pessoas estejam começando a aprender a senti-la e a flutuar sobre ela.

Há algumas décadas nada sabíamos sobre as ondas de rádio, mas hoje em dia, embora ainda não possamos vê-las, não duvidamos de sua existência. De modo semelhante, a sincronicidade não é aplicável apenas à psicologia junguiana, tendo se tornado um termo familiar na vida diária. Devido a uma crescente percepção da sincronicidade e de eventos sincrônicos, há muito mais exemplos a explorar.

O colar de Pérolas

Bárbara perdeu um valioso colar de pérolas que lhe foi dado por sua madrasta. Ela procurou durante dias, sem resultado, e finalmente teve que aceitar que o havia perdido. Seis semanas depois, seu marido chegou em casa com um jornal, o que era algo que ele quase nunca fazia. Na manhã seguinte, enquanto tomava café, Bárbara deu uma olhada de relance no jornal sobre a mesa, aberto na seção de classificados. Ela viu um pequeno anúncio que dizia: “encontrado colar de pérolas”.

Perplexa, Bárbara ligou para a pessoa do anúncio, e realmente aquele era o seu colar. A pessoa que o encontrara estava surpresa de que ele não tivesse sido esmagado. Veículos pesados entravam e saíam daquela área, e o colar estivera no chão por três semanas antes de ser encontrado. Além disso, a mulher que colocou o anúncio o manteve durante três semanas seguidas; estranhamente, o dia em que o marido de Bárbara quebrou a rotina e trouxe o jornal para casa foi o último dia em que o anúncio seria publicado.

Essa história real possui vários elementos admiráveis. A pessoa que encontrou o colar era muito responsável e se deu o trabalho de anunciar. Ela recusou recompensa e não concordou sequer em ser ressarcida pelos anúncios. O marido de Bárbara decidiu fazer algo totalmente fora da rotina e comprar o jornal, no último dia que o anúncio seria publicado. Bárbara viu o pequeno classificado “por acidente”. Nenhum veículo passou sobre o colar. Talvez o mais extraordinário detalhe dessa história seja que o dia em que o colar foi devolvido a Bárbara era o dia do aniversário de sua madrasta, aquela que lhe dera o colar.

A maioria das pessoas simplesmente não consegue compreender esses acontecimentos; algumas os consideram espiritualmente significativo e buscam fortalecer-se neles. Bárbara sentiu-se encorajada pelo incidente e não pensou que fosse uma simples coincidência; sentiu que era algo maior, “o poder de algo divino, um senso de que algo vela por nós”.

Roger passou a primeira parte de sua vida adulta como padre católico, mas depois deixou a Igreja e perdeu contato com Joe, um de seus amigos mais próximos. Trinta e seis anos depois, na passagem do milênio, Roger decidiu que iria encerrar aquilo que chamava de “negócios em aberto” com algumas pessoas que conhecera ao longo dos anos, inclusive joe.

Embora não soubesse como entrar em contato com ]oe, escreveu uma carta. Depois, Roger disse a si mesmo que buscaria Joe através da igreja, Não se passara mais de uma hora depois que Roger completara a carta; o telefone tocou e era Joe. O abismo de trinta e seis anos fechara-se sem qualquer busca.

Edward J. Sweeney foi um dos poucos sobreviventes quando o Turakina, um navio mercante no qual trabalhava, foi torpedeado durante a Segunda Guerra. Depois de resgatado, ele ficou preso num navio de guerra alemão durante vários meses; em seguida, suportou três diferentes campos de prisioneiros de guerra. Ele escapou dos dois primeiros campos e foi libertado do terceiro. Sua história é uma experiência horrível, mas cheia de incidentes do tipo “providencial”.

Cerca de cinquenta anos depois, quando começou a reunir material para sua autobiografia, Sweeney “por acaso” encontrou numa revista uma página dupla com uma pintura que mostrava o afundamento dramático do Turakina. Ele não sabia da existência dessa pintura. Ficou surpreso ao vê-la na revista e entrou em contato com o artista, que vivia na Nova Zelândia. O autor deu permissão para Sweeney usar a pintura na capa do seu livro. Quando começou a fazer pesquisas para o livro, houve muitos outros incidentes onde a informação fluía espontaneamente. Será possível que, uma vez que comecemos a pensar em alguém ou em alguma coisa, o universo começa a se comportar de modo semelhante a uma máquina de busca da internet?

Jung e o caso do escaravelho na janela

Claro que a sincronicidade não funciona simplesmente como uma “máquina de busca” universal. Existe algo mais poderoso em funcionamento, como mostram as pesquisas de ]ung: “Uma moça a quem estava tratando teve, num momento crítico, um sonho no qual ganhava um escaravelho de ouro. Enquanto ela me contava esse sonho, eu me sentei de costas para a janela fechada. Subitamente ouvi um barulho atrás de mim, como uma batida suave. Virei-me e vi um inseto voando e batendo contra a vidraça. Abri a janela e peguei a criatura no ar, quando ela voou para dentro da sala. Foi a analogia mais próxima ao escaravelho de ouro que se pode encontrar em nossas latitudes, um besouro scsrsbeid, o conhecido escaravelho rosa (Cetoaia urata) , que, contrariamente a seus hábitos, tinha evidentemente sentido um impulso para entrar no aposento escuro naquele momento particular. Devo admitir que nada como isso jamais me acontecera antes, e que o sonho da paciente permaneceu único em minha experiência.”

Após o notável aparecimento do besouro, a paciente de Jung, que tinha permanecido psicologicamente resistente, experienciou uma ruptura na terapia. O que, se é que foi alguma coisa, atraiu o besouro para aquela janela naquele momento? Que interconexão existia entre o inseto e as duas pessoas no aposento? O que fez com que o inseto se tornasse um agente de transformação?

Desde que comecei minha pesquisa sobre esse assunto, muito incidem surpreendentes apareceram e muitas questões estimulantes surgiram. Existirá algum processo na base de tudo . Existirá a causa divina que faz com que todas as coisas cresçam e floresçam, ou será isso alguma outra energia magnética em funcionamento? Mas afinal, o que mais poderia ser além de uma força sobrenatural? Com que frequência algo inesperado ocorre, aparentemente do nada, que muda completamente o rumo de uma pessoa, muito embora ela não tenha de modo algum pensado a respeito? Acaso terão esses acontecimentos algum significado? Será um trampolim sustentando cada passo nosso, ou será nada mais do que o acaso, ou uma piscadela do cosmo?

Em busca de respostas

Muitas pessoas entrincheiradas na moderna abordagem analítica ocidental acham esses eventos sincrônicos irritantes, porque não têm explicação. Ao mesmo tempo, eles não podem ser de todo descartados como “coisas da mente” ou como uma crença religiosa – o depósito usual para aquilo que não pode ser acomodado nos padrões existentes.

No artigo Syncronicity. The Gateway to Opportunity, Ed Abdill afirmou que os teosofistas acreditam na unidade e na interligação de todas as coisas, e que os pensamentos transportam seus próprios padrões de energia e ligam-se uns aos outros. Abdill também esboçou os conceitos do dharma, karma e intuição, e questionou o papel que esses acontecimentos representam. Mas, no final das contas, ele teve que concluir, como todo mundo mais, que atualmente não temos uma explicação adequada.

Ponderemos sobre esses comentários no panfleto Investigations into the Super-Physical, de Annie Besant, publicado em 1913, e que eu “por acaso” encontrei enquanto buscava uma perspectiva adicional: “Todos os estudantes devem compreender algo a respeito das investigações sobre o superfísico, para que possam evitar a cega credulidade que tudo aceita, por um lado, e a igualmente cega incredulidade que tudo rejeita, por outro lado.”

“O grande perigo”, prossegue Besant, “é o perigo de entrarmos num sulco, tornando-nos assim fossilizados nas formas de crença que muitos cultivam hoje em dia. ( … ) Nada poderia ser mais fatal do que chamar de verdadeiras certas formas especiais de crença, e olhar de soslaio para quem quer que a elas se oponha. ( … ) Se a Sociedade tiver que viver ainda durante muito tempo no futuro, como eu acredito que viverá, ela deve ser preparada para reconhecer agora, de maneira bastante franca e livre, que nosso conhecimento é fragmentário, parcial, e passível de muito grandes modificações à medida que aprendermos mais e compreendermos melhor.”

Besant diz ainda que “não estamos lidando com teorias, voos de fantasia, ou com uma mistura de ambos, mas com registros de observação”. E é no registro de observações que estou particularmente interessado, porque acredito que, se há uma teoria verdadeira por trás de tudo isso ela irá emergir e dados suficientes foram coleta dos e analisados.

Dizem popularmente, que “uma coincidência acontece quando Deus faz milagre e decide permanecer no anonimato”. Quer seja divina ou não, a sincronicidade permanece um mistério que ganha peso à medida que mais incidentes são registrados.

Normalmente as pessoas têm uma ou duas dessas experiências e as renegam como coisas estranhas, ou como “apenas uma daquelas coisas” em suas vidas. Mas, quando aprendem que existem muitos desses incidentes, e que as pessoas os estão tendo em toda parte, então esses eventos adquirem nova significação. A onda cresce, e, à medida que cresce, os clamores por explicações crescem com ela.

A. V. Boston é escritor e conferencista da Sociedade Teosófica nos EUA

Revista Sophia – Editora Teosófica

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