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A Terra sem caminhos – Ernest Wood

A Terra sem caminhos – Ernest Wood

Krishnarnurti disse que a verdade é uma terra sem caminhos. Parece também dizer que o caminho para terra da verdade é um caminho sem trilhas. Não há paradoxo nessas duas concepções, porque o único caminho para a verdade é a prática da própria verdade, assim como o único caminho para a liberdade é a liberdade, e o único caminho para o amor é o amor. Para a verdade, o amor ou a liberdade, nada pode substituir o caminho.

Fazendo uma imagem disso, podemos pensar numa enorme montanha; no topo dessa montanha brilha o sol da verdade. Se eu tiver que escalar essa montanha, devo dar passos. Cada passo que eu der deve ser um passo de verdade. Nenhum outro tipo de passo irá levar-me para cima. Portanto, a verdade é não apenas a meta, mas também o caminho para a meta.

Se for a liberdade que brilha lá em cima, então cada passo deve ser um ato de liberdade, de julgamento perfeitamente independente. Devo obter dados, ou material para o julgamento, de outras pessoas, mas não devo ter medo de tomar minhas próprias decisões, por causa da ideia de que alguém pode julgar melhor do que eu.

Não se deve pressupor que a cooperação e a fraternidade sejam excluídas quando existe tal independência. A fraternidade seria algo muito pobre se todos os seus membros fossem constituídos uniformemente, arregimentados como os soldados de antigamente, que se supunha não pensarem por si mesmos – exceto com aquele tipo de pensamento, ou aquele escopo limitado de pensamento, que pensa ser sabedoria seguir outra pessoa e não confiar em si mesmo.

Fraternidade implica a consideração respeitosa de quaisquer sugestões que outras pessoas possam oferecer, mas ao mesmo tempo implica uma contribuição individual para o pensamento que agrega algo novo ao estoque comum.

Existe um ótimo comentário em sânscrito antigo que diz que todo homem é composto de duas partes: inteligência e não-inteligência; se um homem leva a cabo as ordens de outro, não usando seu próprio julgamento sobre o assunto em tela, ele só pode fazê-lo com o aparte não-inteligente de si mesmo. Em termos modernos, ele permanece ele mesmo, mas põe sua maquinaria (corpo, tempo, dinheiro, etc) à disposição de outra pessoa. Um caminho assim não pode levar à liberdade, já que não dá passos livres.

Portanto, se não há diferença entre a meta e o caminho para a meta, ambos podem ser chamados de terra sem caminhos.

Cada homem sob a lei do carma recebe o tipo de experiência que lhe oferece a melhor oportunidade para o exercício da vontade, do pensamento e do amor.

Algumas pessoas podem ter uma concepção limitada do carma. Podem dizer que o carma é simplesmente um tipo de punição e recompensa. Você feriu alguém, por isso deve ser ferido, e por causa do seu carma seu progresso será retardado, suas melhores oportunidades obstruídas, até que o período de detenção termine. Isso é entender o carma pela metade. Nos círculos teosóficosgeralmente falamos do carma como a justiça divina no mundo. Devemos ter um princípio através do qual o carma possa trazer a cada homem não apenas retribuição, mas também oportunidade.

Pelo fato de as nossas circunstâncias serem a nossa obra, criada por nós, estamos face a face, em tudo que nos acontece, com o quadro que pintamos para nós mesmos com nossos pensamentos e ações. Portanto, o melhor que cada um tem a fazer é receber essas experiênciasnão apenas sem reclamações, mas com alegria, com o reconhecimento de que são o melhor quepoderia nos acontecer. Não faz diferença se causam prazer ou dor Não existe mal ou bem no carma.

Colocando a ideia em termo teosóficos, todas as nossas experiências são como se fossem enviadas direta e especificamente das mãos de Deus. Se reconhecermos e alegremente aceitarmos o fato de que em todas as coisas, o tempo inteiro, estamos lidando diretamente com Deus, deixaremos de insultá-lo com orações que são apenas súplicas. Começaremos a ter a força e a paz que surgem ao descobrirmos que o mais elevado e o mais próximo são a mesma coisa.

Epíteto disse que só havia uma coisa pela qual Deus o enviou a este mundo – aperfeiçoar seu próprio caráter em todo tipo de força, e que nada havia no mundo que ele não pudesse usar para esse propósito.

Estamos todos na terra sem caminhos, pois cada homem faz o seu próprio caminho, de acordo com sua obra. Não existe nenhuma parte da vida a ser evitada. Não existem locais escarpados ou espinhosos que não sejam dignos de serem trilhados por nossos pés. Não existe caminho mais fácil ou mais difícil para aquele que mantém seu rosto voltado para a meta.

Antigos instrutores também falaram da terra sem caminhos, embora com outras palavras. Krishna disse: “Os caminhos que os homens trilham de todos os lados são meus.” Segundo os antigos ensinamentos, o homem sábio é aquele que enfrenta igualmente o prazer e a dor, a vitória e a derrota, e que é também um homem feliz. Isso se aplica a todos – mesmo àqueles que geralmente são desprezados pelas pessoas de sua própria época. Atendo-se a seu próprio carma, o homem atinge a perfeição; o carma de outra pessoa, embora possa parecer glorioso, está cheio de perigos.

Cristo também não delineou nenhuma senda particular, mas disse: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida.” Disse ainda que, “onde houver dois ou mais reunidos em meu nome, lá estou eu entre eles”.

Shankaracharya não formulou as quatro qualificações (discriminação, falta de desejo, autocontrole e anelo por liberdade) como passos no caminho, mas disse: “Somente quando você encontra um homem que tem essas características é que você encontra aquele que realmente tem o desejo de conhecer Brahman, que não mais fixa, como meta, apena algumas condições melhores do que as condições atuais.” Ele disse, ainda, que é a natureza de Brahman que irá revelar sua própria glória ao homem purificado, que tem os olhos voltados para aquela meta.

O livro A Voz do Silêncio afirma que existe apenas uma estrada e essa estrada é o amor, que não é limitado pelas circunstâncias. Assim, estamos numa terra sem caminho. Agradou-me muito ouvir Annie Besant dizer, em seu curto discurso na Convenção da Sociedade Teosófica, em 1931: “Encontre Deus em si mesmo – nem lá em cima, nem lá embaixo, nem em algum lugar que você não sabe onde – mas em si mesmo”. Deus, o poder, a liderança, está em nós mesmos. Ninguém mais pode trilhar o caminho por nós .

Ernest Wood é um autor teosófico de meados do século 20.

Entre suas obras estão Concentração e Meditação e Os Seres Raios.

Revista Sophia – Editora Teosófica

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