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O estado meditativo – Surenda Narayan

O estado meditativo – Surenda Narayan

Uma bela manhã, quando seguia para o escritório por um caminho ensombreado e sossegado, próximo ao rio, conheci um professor de filosofia de uma terra distante que fazia sua caminhada matinal Cumprimentam-nos. “Estamos no caminho meditativo”, comentou ele. Assim como o caminho à beira do rio, nosso caminho na vida pode também ser agradável se simplesmente o trilharmos no modo meditativo.

A meditação e as práticas meditativas têm lugar proeminente em todo a tradições religiosas, sob diferentes nomes e formas. Os padrões e os tipos de meditação variam amplamente. O propósito, ou o objetivo da meditação, pode, de modo semelhante, ser diferente, dependendo de diferentes necessidades, temperamentos e estágios de crescimento do aspirante.

Hoje em dia, certas formas de meditação inferior são também prescritas para propósitos limitados ou mundanos, como aliviar a pressão sanguínea e úlceras em pessoas em estado de tensão, e até mesmo para aumentar a concentração de soldados engajados em manobras militares. Há evidências de que existe muito interesse pela meditação; o número de livros que têm aparecido ultimamente sobre o tema é extraordinário, cada um prescrevendo um método diferente, e muitos oferecendo atalhos atrativos.

Nas tradições religiosas existe uma variedade de práticas meditativas, Dentro do amplo termo descritivo “meditação”, diversas palavra são usadas para descrever e explicar diferentes estágios – centralização, concentração, contemplação, dhyana, samadhi, e assim por diante. Na verdade, o próprio samadhi não é um simples estado uniforme, mas engloba diversos níveis,

Com rodas a variações e classificações, poderíamos nos sentir confusos e perplexos. Contudo, se olharmos cuidadosamente para todos esse complexos detalhes, descobriremos que em todos eles encontra-se o mesmo ensinamento sobre a necessidade do desapego, da necessidade de separar nossa consciência do corpo, dos sentimentos e do pensamentos, e de transportá-la a um nível acima dessas coisas. Nesse sentido, a meditação é chamada de cultura da consciência. Todo tumulto, toda inquietação que nos perturba e que torna nossa vida infeliz tem origem nesses corpos, e o caminho para a alegria é nos elevar em consciência além deles.

Segundo o dicionário, meditar é demorar-se sobre alguma coisa em pensamento, revolver qualquer tema na mente. A meditação é descrita como pensamento estrito e continuado. Mas os problemas surgem quando a meditação está associada só ao pensamento e termina no nível mental. Pois, na meditação, até mesmo nas suas formas inferiores, deve haver algum tipo de autopercepção, a consciência deve elevar-se além dos estreitos confins do corpo, dos sentimentos e dos pensamentos.

A meditação é um processo ativo como o fluxo de um rio. É tanto um caminho quanto uma meta, um esforço e um estado de percepção; os dois devem caminhar juntos. O caminho e a meta fundem-se em um só. A qualidade, o contentamento, a profundidade e a intensidade de percepção, no entanto, continuam a mudar à medida que a pessoa prossegue. E porque a meditação é também um caminho, a purificação da vida é uma condição necessária para o progresso. Os aspectos negativos e positivos da pureza recebem diferentes nomes em diferentes sistemas – como yama e niysma nos Yogasutras, sila no Budismo, e certas austeridades prescritas em outras tradições religiosas.

O que é basicamente necessário, no entanto, não é repressão, mas vigilância rigorosa das modificações da mente e de como se movem os sentimentos e pensamentos. Por meio da atenção e da observação surge a compreensão crescente da verdadeira natureza das coisas, o que leva a um declínio natural, espontâneo, e depois à cessação das caprichosas tendências dos sentidos e da mente. Esta última é frequentemente chamada de rajá dos sentidos.

Quando Arjuna perguntou a Krishna como essa mente, que é sempre turbulenta, pode ser controlada (ou, colocando de maneira diferente, como a pessoa consegue elevar-se em consciência além do domínio dela), Krishna prescreveu um remédio aparentemente simples – a prática constante e a imparcialidade que surge de uma crescente compreensão por meio da observação cuidadosa da verdadeira natureza das coisas.

Seria, portanto, inútil esperar aprofundar a meditação sem atingir algum grau de imparcialidade e a pureza de consciência que está além do domínio da mera percepção sensorial. “O eu da matéria e o eu do espírito jamais conseguem se encontrar. Um dos dois deve desaparecer; não há lugar para ambos.”

Alguns “instrutores” modernos prometem resultados sem abrir mão dos prazeres dos sentidos, que estão acessíveis em crescente variedade hoje em dia. Pode-se concordar com uma tal abordagem, mas somente da maneira como Eckhart coloca: “É admissível tomar as bênçãos da vida em ambas as mãos, desde que você se saiba preparado para, da mesma maneira alegre, delas abrir mão na diversidade.” Este é o teste da imparcialidade.

Viver com atenção plena

A meditação é um modo de vida; não pode haver dois estados separados de consciência, um na meditação e outro na rotina diária de desejos, luta e competição. O modo meditativo não é uma fuga da vida ou um devaneio com olhos semicerrados. É viver com percepção e atenção plena; a visão muda da periferia para o centro, da divisão para a unidade, da separatividade para a integridade, como as muitas peças de pedra que formam um belo mosaico. É o caminho de uma consciência espiritual em crescimento. Cristo deu a isso o nome de “água viva”, e disse que “a água que eu lhe der será nele um poço brotando em vida eterna”.

Vive-se a vida meditativa em espaços abertos, não atrás de porras fechadas. Em determinado momento, o retiro pode ser necessário para mergulhar nas profundezas do nosso ser, mas depois a vida meditativa deve se manifestar no mundo externo. “O ocultista que se retirou para sua própria cidadela encontrou sua força; ele imediatamente percebe as exigências do dever sobre ele.”

Um período de quietude é tão útil quanto um espaço sossegado para quem quer aprender a andar de bicicleta. Mas a meta do ciclista é andar em segurança no trânsito da cidade, e a meta do iogue não é divertir-se num espaço particular, mas dominar seus veículos psicofísicos para conduzi-lo com serenidade em meio ao tumulto da vida.

Ioga e meditação são palavras frequentemente usadas como sinônimos, e talvez isso seja correto. Unido ao puro buddhi, movendo-se entre os objetos dos sentidos, embora com os sentidos livres da atração e da repulsão, o iogue demonstra habilidade na ação; o mesmo também ocorre na vida meditativa. O ioga é um poder dinâmico, paz e amor; também o é a meditação. Vemos, nesse estado de percepção, que “a Terra está plena do céu, e todo arbusto comum arde com o fogo de Deus”. O ápice da meditação é a sabedoria, e sabedoria é a plenitude da vida.

Como diz Krishnamurti: “Ser tão completamente aberta e vulnerável é a essência da meditação. Não ter resistência, não ter barreira internas com relação à coisa alguma, ser verdadeiramente livre de todos os impulsos, compulsões e exigências, é caminhar para a vida com braços abertos.

Surendra Narayan é escritor e foi vice-presidente da Sociedade Teosófica.

Revista Sophia – Editora Teosófica

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