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A Espiritualidade e a Paz Mundial – Dalai Lama

A Espiritualidade e a Paz Mundial – Dalai Lama

Sempre considerei que existem dois níveis de espiritualidade: num sentido. espiritualidade são as várias religiões. Essa é uma categoria. Num outro tipo de espiritualidade a pessoa permanece como um descrente, isto é, sem nenhuma religião particular. Ao mesmo tempo ela pode ser uma boa pessoa, afetuosa, um ser humano com senso de responsabilidade cooperativa baseado na compaixão e no bom coração. Esse é um outro nível de espiritualidade.

Somos seres humanos; todos nós queremos a felicidade, não o sofrimento. Acredito que a ideia básica de qualquer religião seja compaixão, tolerância e perdão. Portanto, a mensagem essencial das diferentes religiões é essencialmente a melhor parte das qualidades humanas e não algo novo. Ao nascer um ser humano, essas qualidades ou as sementes dela já estão lá. O que a religião faz é esclarecer essas boas qualidades e tentar fortalecê-las.

Algumas pessoas acreditam que a natureza humana é agressiva. Não concordo com isso. Penso que desde o nosso nascimento até o nosso último dia a compaixão e a afeição são fatores cruciais em nossas vidas. Sendo assim, acredito que o primeiro ato de uma criança e de sua mãe se dá verdadeiramente através da compaixão. Se a mãe tem algum sentimento negativo com relação ao bebê, o leite pode não fluir com suavidade. De modo semelhante, do ponto de vista do bebê, sem um sentimento de proximidade ou de afeição com relação à mãe, ele pode não sugar o leite.

Segundo os neurocientistas, as primeiras semanas após o nascimento da criança são o período mais crucial para o crescimento do cérebro. Dito simplesmente, o toque físico da mãe é um fator crucial para o desenvolvimento.

Nas salas de aula, quando os alunos têm a sorte de encontrar um professor que não apenas ensina, mas que mostra sincera afeição aos estudantes e genuína preocupado a respeito do futuro e do bem-estar deles, os temas geralmente se aprofundam muito mais no cérebro. Os temas que aprendemos de um outro tipo de professor, que simplesmente explica ou ensina sem qualquer preocupação, ou sem senso de responsabilidade para com o estudante, são mais fáceis de serem esquecidos.

Natureza humana

Quando envelhecemos, às vezes sentimos que somos completamente independentes, que não precisamos da ajuda de outras pessoas e que nós mesmos nos bastamos. Negligenciamos o valor positivo da afeição. Devido à falta desse sentimento humano básico, as profissões que supostamente deveriam servir à humanidade tornam-se às vezes destrutivas.

Nós, seres humanos, temos grande habilidade tecnológica. Embora o conhecimento do nosso cérebro esteja em constante desenvolvimento, outra importante qualidade humana – o bom coração – não está conseguindo acompanhar o ritmo. A habilidade aumentou, o conhecimento aumentou, mas essas qualidades, sem o adequado equilíbrio com outras qualidades humanas, podem se tornar instrumentos do mal.

Olhando para nossa estrutura física, penso que os seres humanos possuem algo que é único: o sorriso. O belo dom do sorriso é uma expressão de felicidade, de calor. Se nos zangamos, o sorriso não vem. No entanto a mente humana é bastante sofisticada; às vezes o sorriso também é usado de maneira negativa. O sorriso sarcástico ou diplomático, em vez de nos trazer felicidade, alegria ou satisfação, às vezes aumenta a suspeita. Mas, de um modo geral, penso que o sorriso é uma expressão de calor humano.

Vejamos as mãos humanas. Acredito que elas sirvam para abraçar, não para bater. Se a mão servisse apenas para empurrar ou bater, os dedos seriam desnecessários. Os dedos servem principalmente para dar as boas-vindas: venha, chegue mais perto.

Falando de maneira geral, é verdade que, enquanto a mente humana existir, a raiva, o ciúme, o orgulho, a suspeita, todas essas emoções estarão aqui ao mesmo tempo. Porém, ainda acredito que a força dominante do ser humano é a compaixão. Segundo o ponto de vista budista, acreditamos que cada ser senciente possui a natureza de Buda. Isso quer dizer que existem mais razões para que o ser humano seja gentil, e menos razões para que seja agressivo.

Uma vez que qualidades como afeição, amor e compaixão são a principal força da mente humana, é possível aumentá-las, utilizar os pensamentos de maneira apropriada e nos tornarmos melhores. É inútil esperar que algum remédio caia do céu. Devemos encontrá-lo por nós mesmos. Portanto, é essencial reconhecer ou compreender que temos potencial para resolver os problemas humanos. A única coisa de que necessitamos é que nossa energia e nossa sabedoria sejam utilizadas de maneira apropriada. Isso significa equilibrar a inteligência com o bom coração.

Por isso não considero que as qualidades como afeição e compaixão sejam temas religiosos. Elas são temas da natureza humana em geral. Certamente, entre os sistemas religiosos, outros temas como o nirvana, segundo o Budismo, são de natureza particular. Mas, apesar de tópicos específicos, todas as religiões geralmente promovem as boas qualidades humanas.

Como monge budista, acredito que se vivermos de maneira apropriada, como seres úteis à sociedade, então, mesmo sem um conceito religioso, na realidade isso nos prepara para o nirvana. Caso contrário, porém, mesmo que a pessoa fale a respeito, estude e pratique sua religião todos os dias, isso não acontece.

Uma questão de responsabilidade global

Nos tempos antigos não havia muito contato entre as aldeias; a sobrevivência delas não demandava a cooperação com as aldeias vizinhas. Os grupos sobreviviam de maneira bastante independente. Assim, se alguém naquela época começasse a falar sobre responsabilidade global, as pessoas poderiam não prestar atenção. Hoje, com a moderna economia e com os problemas ambientais, como a questão da camada de ozônio, não mais existem fronteiras nacionais. Portanto, a situação moderna em si mostra que a humanidade precisa de mais senso de responsabilidade global.

Desde 1956 tenho estado ligado à Sociedade Teosófica por causa das atividades sociais não-sectárias e de longo alcance que a Sociedade põe em prática. Desde 1956, quando nos conhecemos (o que, em termos de história humana, é um período de tempo muito curto), muitas coisas mudaram, particularmente nos últimos anos. Acho que isso indica claramente que, não importa o quanto a inteligência humana seja utilizada na direção errada, o espírito humano é igualmente poderoso para desafiar isso.

Portanto, as coisas irão finalmente entrar nos eixos, segundo a natureza humana básica – como, por exemplo, o colapso do rígido sistema comunista em muitas partes do mundo. Por quê? Porque as pessoas querem a democracia, querem liberdade. É a natureza humana. E a maneira de mudar essa situação não é pela força, mas pelo movimento popular, por meio da não-violência. A não-violência está muito mais próxima da natureza humana básica; a violência é contra a natureza humana.

Todo mundo está rezando, desejando e também tentando chegar à paz mundial. Isso é muito importante, especialmente nessa era nuclear. Para atingir a paz não basta criar slogans. Acredito firmemente que temos que pensar de modo diferente. Também temos que descobrir o verdadeiro obstáculo à paz.

Às vezes, armas e estabelecimentos militares são criados ou organizados em nome da paz mundial. Mas, enquanto as armas estiverem presentes, não acredito que haja paz genuína. Durante os últimos quarenta anos, sob a ameaça de armas nucleares, aconteceu um tipo de paz relativa. Mas não era paz verdadeira, porque provinha do medo, e o medo advém da desconfiança.

Acredito que chegou a hora de pensar seriamente sobre o modo de reduzir as forças militares nesse planeta. Logo que armas são produzidas, são usadas para matar, porque as armas não podem ser usadas para qualquer outro objetivo. Não podem ser usadas como instrumentos musicais.

Existem alguns locais completamente desmilitarizados. Estou tentando conseguir que o Tibete venha ser um assim. Se vai permanecer na República Popular da China ou não, é uma outra questão. Mas, de qualquer modo, aquela terra deve ser desmilitarizada – este é o meu sonho.

Vivemos numa comunidade, somos cidadãos desse planeta. Se todo o planeta sofrer, também nós sofreremos. Se todo o planeta conseguir paz e harmonia, também nós teremos conseguido. Portanto, cada indivíduo tem responsabilidade para com a humanidade. Se achar que essas coisas são importantes, então você deve tomar uma iniciativa e fazer o seu próprio esforço.

Tenzin Gyatso, o 14º Dalai Lama, é o líder do governo tibetano no exílio.
Revista Sophia – Editora Teosófica

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